Aproveitamento eólico na Laguna dos Patos simboliza marco histórico para projetos de energia
Uma mudança de patamar da geração eólica dentro do Rio Grande do Sul é o que representa a possibilidade da instalação de aerogeradores na Laguna dos Patos. Até o dia 21 de janeiro, o governo do Estado manterá aberta consulta pública para colher contribuições da sociedade sobre a iniciativa e nesta mesma data acontecerá a audiência pública para debater o tema.
O presidente do Sindicato da Indústria de Energias Renováveis do Rio Grande do Sul (Sindienergia-RS), Guilherme Sari, destaca que o uso das lagoas para a geração eólica tem sido uma ação muito instigada pela entidade. O dirigente comemora a intenção do governo gaúcho de abrir oportunidades para empreendedores que queiram investir na chamada energia nearshore.
“É uma ação que precisa ser sincronizada e conjunta e que está andando muito bem, espero que tenhamos avanços importantes”, frisa o dirigente. O potencial eólico da laguna dos Patos justifica o entusiasmo. Levantamentos iniciais do governo estadual indicam uma capacidade para a produção de até 24,5 mil MW no local (a título de comparação, o Rio Grande do Sul possui atualmente uma potência instalada de 1,8 mil MW dessa fonte, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel).
Sari ressalta que, em relação ao offshore, que são os projetos desenvolvidos no mar, o calado menor facilita as obras de engenharia para instalar os aerogeradores. No quesito ambiental, o presidente do Sindienergia-RS enfatiza que é preciso observar a situação das rotas migratórias das aves, contudo, quanto aos mamíferos aquáticos, as lagoas também representam, potencialmente, um impacto menor do que uma estrutura implementado no oceano. Outra vantagem em relação ao offshore usual é a maior proximidade em relação à infraestrutura de conexão com o sistema elétrico.
O dirigente acrescenta que, em comparação ao onshore (em terra), um benefício de um empreendimento na laguna dos Patos é evitar qualquer dificuldade com a questão fundiária e a relação com áreas privadas que podem apresentar obstáculos quanto à regularização ou com os proprietários. No caso da laguna, o aproveitamento do espaço será feito por meio de concessão do governo gaúcho, o que renderá receitas diretas para o Estado.
O poder público decidiu dividir a concessão da laguna dos Patos em dois lotes, o Norte e o Sul (o primeiro indo dos arredores de Capivari do Sul até Arambaré e Tavares e o segundo desse ponto até Rio Grande). Poderá usufruir dessas áreas para a geração eólica quem ofertar o maior preço de outorga mensal paga ao Estado, sendo que o lance inicial da concorrência deverá ser igual ou superior a 1,5% de cada MWh gerado. Sari detalha que o lado da península que separa a laguna a dos Patos do oceano, na qual ficam localizados os municípios de Mostardas, Tavares e São José do Norte, é onde se verifica o maior potencial eólico na região.
Já a diretora de Operações da DGE e de Operações e Sustentabilidade do Sindienergia-RS, Daniela Cardeal, também celebra a confirmação por parte do governo do Estado que espaços da laguna dos Patos serão cedidas para o aproveitamento da geração eólica. “O Estado recebeu bem a sugestão de utilização das áreas de lagoas no Rio Grande do Sul para geração de energia e desde julho de 2020 estamos construindo esta pauta; começar pela dos Patos será excelente”, reforça.
A dirigente assinala que as energias limpas vieram para revolucionar o cenário energético mundial. Além de representarem um modelo de transição energética de reduzido impacto ambiental, essas fontes refletem o posicionamento do que a sociedade quer – desenvolvimento sem emissão de carbono e com ganho ambiental em relação às matrizes energéticas tradicionais.
Daniela adianta que o sindicato pretende fazer contribuições na consulta e na audiência pública a respeito do aproveitamento da laguna dos Patos. A entidade lançou um Grupo de Trabalho (GT) específico para colaborar nas discussões de estudos ambientais para eólicas em lagoas e mar e sistemas associados no Rio Grande do Sul. O grupo de trabalho está reunindo opiniões e demandas de associadas do sindicato para compor com entidades, tais como a EPE, Sema-RS, Ibama, ICMBio, ONGs, academias, associações e federações, a reunião de materiais que possam auxiliar a revisão do Zoneamento Ambiental Eólico, bem como uma nova atualização do Atlas Eólico do Rio Grande do Sul.
“Tanto na consulta como na audiência pública, queremos apresentar os potenciais dessa geração de energia limpa e renovável e fomentar a troca de experiências, conhecimentos técnicos e boas práticas, além de motivar modelos regulatórios ambientais seguros e transparentes para o Estado receber os interessados nesse setor”, reitera a diretora do Sindienergia-RS. Daniela diz ainda que a operação de usinas eólicas no mar já está bem instaurada e com monitoramentos permanentes ao redor do mundo e que servem de segura referência para o modelo que está sendo estudado para as lagoas do Rio Grande do Sul.
Ela ressalta que, durante a fase de instalação, a fundação das torres é um item essencial para garantir a estabilidade estrutural necessária à segurança operacional das turbinas eólicas, sendo que cada projeto tem suas fundações definidas principalmente em função da profundidade e das características sedimentológicas e geotécnicas da região que é objeto de estudo. Apesar das semelhanças de projetos desenvolvidos em lagoas e no mar, também se verificam algumas distinções, inclusive do ponto de vista regulatório. “Possivelmente, a principal diferença no âmbito regulatório está relacionada à comprovação da possibilidade de uso da área específica pelo interessado para fins de obtenção de outorga”, comenta a coordenadora do Comitê Socioambiental do Sindienergia-RS, Juliana Pretto Stangherlin.
Ela enfatiza que a Aneel vai exigir a comprovação de domínio da área necessária para a instalação do empreendimento e, em relação aos projetos eólicos que pretendem ser implementados na costa brasileira, essa comprovação tem sido impossibilitada pela ausência de um marco regulatório nacional para as atividades offshore. “Há um parecer da AGU (Advocacia-Geral da União) contrário à emissão de outorga pela Aneel, enquanto não houver essas diretrizes para a exploração da atividade”, informa Juliana.
No caso da laguna dos Patos, a questão é relativa a um bem público do Estado do Rio Grande do Sul e não da União. Nesse cenário, como o governo gaúcho vai licitar o uso do espaço, essa medida tende a superar qualquer problema quanto ao domínio da área pelo interessado. Já comparando com os complexos onshore, os empreendimentos em lagoas ou no mar poderão enfrentar mais dificuldades em demonstrar a disponibilidade de estruturas de conexão disponíveis para o escoamento da energia, adverte Juliana. “Porque os projetos offshore ou nearshore são tendencialmente maiores, com maior capacidade de geração e, consequentemente, maior necessidade de infraestrutura para escoamento. Assim, os reforços para implantação de sistema de conexão e empreendimentos de geração em si deverão caminhar juntos”, explica a coordenadora do Comitê Socioambiental do Sindienergia-RS.
A dirigente antecipa ainda que os processos de licenciamento ambiental em lagoas poderão ter uma complexidade maior, ainda que os impactos possam ser até menores. “Pelo fato de não se ter o mesmo grau de conhecimento e dados sobre os impactos da atividade (como no onshore)”, pondera. Juliana ressalta que o pioneirismo em uma ação traz, naturalmente, mais desafios quanto aos processos de licenciamentos. Sobre a conciliação da geração eólica com a navegação que é realizada na laguna dos Patos, ela acredita que o espaçamento entre os aerogeradores seja grande e não devem ser verificados problemas para compatibilizar as duas práticas. Como a laguna tem um calado baixo (média de profundidade de três metros), fazendo com que comporte apenas embarcações menores, a compatibilização é ainda mais viável.
Já o vice-coordenador do comitê Socioambiental do Sindienergia-RS, Adriano Cunha, acredita que a instalação de parques de geração na laguna dos Patos e de forma semelhante nas lagoas Mirim e Mangueira, se ocorrerem, pode ser considerada como de menor impacto ambiental, em relação aos parques existentes ou idealizados em ambientes terrestres ou marinhos. Ele destaca que, em comparação aos complexos em terra, há sensível diminuição dos segmentos afetados, ficando os impactos praticamente restritos às aves e suas rotas migratórias e às alterações na paisagem, que via de regra são bem aceitas pela população.
“Face as características das áreas que estão em vias de ser concedidas, que sabidamente são pouco frequentadas, se pode afirmar que os parques quase não serão percebidos, o que é uma grande vantagem em relação aos projetos offshore, pensados para pontos litorâneos frequentados por veranistas”, reforça. Cunha frisa ainda que a menor profundidade e a reduzida salinidade podem ser fundamentais facilitadores da implantação na laguna dos Patos na comparação com os parques marinhos.
A fauna aquática da laguna, por ser menos rica e diversificada que a marinha, também faz com que esses empreendimentos sejam menos impactantes sobre o meio biótico. “A ausência de cetáceos, por exemplo, é um fator muito importante”, enfatiza o coordenador do comitê Socioambiental do Sindienergia-RS. Contudo, Cunha salienta que os complexos desenvolvidos na laguna dos Patos serão totalmente novos e não há conhecimento adquirido sobre os possíveis impactos ambientais.
Segundo ele, são conhecidas, sem muitos detalhes, rotas de aves migratórias que cruzam a área e merecem análises prévias. “O momento de fazer essas avaliações é agora, utilizando-se a base metodológica que serviu para a elaboração do Zoneamento Ambiental Eólico do Estado, que pode ser aperfeiçoada e enriquecida com um grande conjunto de dados de monitoramento hoje disponíveis”, defende o dirigente.
Texto: Sindienergia-RS