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Observatório do Sindienergia-RS

Renove os hábitos, renove as energias

Segmento de bioenergias busca diversificação das formas de geração

Ampliar as opções quanto aos combustíveis e as maneiras de produzir as chamadas bioenergias, com o aproveitamento de diversos tipos de biomassas (materiais orgânicos), é uma forma de expandir esse mercado. O Rio Grande do Sul, com sua vocação agrícola e para a inovação, segue nessa direção.
“Quem gerar energia alternativa, renovável, nos próximos 20 a 30 anos, terá um negócio garantido porque o mundo vai demandar muita energia elétrica”, prevê o associado do Sindienergia-RS, Guilherme Guila Sebben, que também é diretor executivo da Biosys Ambiental. A empresa, que tem sede em São Sebastião do Caí e atua com gerenciamento de resíduos industriais, além de estar trabalhando com estudos para gaseificação de biomassa.

Conforme Sebben, o aproveitamento da biomassa não precisa ser feito apenas através da formação do biogás, com o processo de biodecomposição. Ele argumenta que pode ser realizado com a degradação térmica, por meio de um procedimento de craqueamento da matéria, gerando um gás de síntese (syngas). No Estado, o integrante do Sindienergia-RS vê potencial para essa finalidade em resíduos da indústria madeireira e também de vinícolas, com o bagaço de uva, assim como com sabugo e palha de milho.

“O que seria um problema para o meio ambiente e para a sociedade, resíduos e biomassas se decompondo e agredindo o solo, pode ser uma alternativa de energia”, salienta. Outra opção energética destacada por Sebben é o encaminhamento de resíduos industriais para outras finalidades que não seja o simples depósito em um aterro. Ele explica que para isso ser viável é preciso empregar a tecnologia conhecida como coprocessamento. Dessa forma, os resíduos de indústrias podem ser encaminhados a empresas que fazem o coprocessamento, produzindo uma mistura (blend) desses materiais. Esse composto acaba se tornando um Combustível Derivado de Resíduo (CDR).

Sebben comenta que o combustível é usado para alimentar fornos de companhias fabricantes de cimento. Ele detalha ainda que esse CDR pode ser obtido a partir de emulsão oleosa (água contaminada com óleo), efluentes líquidos industriais (que não contenham metais), solventes, entre outros. “São resíduos (líquidos e sólidos) que têm poder calorífero e que, depois de misturados, podem ser queimados nos fornos das cimenteiras”, reforça. A solução pode substituir o uso do coque, combustível fóssil tradicionalmente aproveitado pelo setor do cimento.

Se novas portas se abrem para a geração de energia aliada a uma atitude ambientalmente correta, biomassas já tradicionais também apresentam potencial para crescer no Estado. O diretor da Enerbio e associado do Sindienergia-RS, Luiz Antonio Leão, frisa que um dos materiais orgânicos que o Rio Grande do Sul tem condições para trabalhar nesse sentido é a casca de arroz.
Ele estima que os gaúchos têm espaço para aumentar mais 100 MW de capacidade instalada através dessa fonte, sendo que hoje é algo ao redor de 30 MW a geração nessa modalidade. A própria Enerbio, que participou da implantação de uma termelétrica a casca de arroz em São Sepé, desenvolve agora outras duas usinas dessa natureza em Capivari do Sul e Uruguaiana.

Leão enfatiza que esse tipo de atividade, além de servir para propiciar energia, emprego e renda, é ambientalmente correta, já que dá um destino adequado a um rejeito da produção agrícola. “Atualmente, a casca não tem um valor comercial muito grande e leva mais de cinco anos para decompor na natureza”, diz.

Para o integrante do Sindienergia-RS, o que falta para um maior desenvolvimento do uso da biomassa no território gaúcho é mais conhecimento quanto à viabilidade do processo. “Às vezes, o pessoal duvida se tecnicamente funciona e se dá resultado”, aponta. No entanto, Leão ressalta que, no momento, com vários ambientes para comercializar a energia a ser produzida, como leilões, mercado livre ou geração distribuída, não é muito complicado conseguir garantir a venda da energia.

Segundo o associado do Sindienergia-RS, é importante que entidades, como a Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), o Instituto Rio Grandense do Arroz (Irga) e a Secretaria da Agricultura, ajudem a conscientizar os produtores a verem a casca não como um resíduo, mas como um combustível. Entre as regiões gaúchas mais vocacionadas para essa prática estão a Fronteira Oeste, Sul, Costa Doce e Central.

Assim como com a casca de arroz, Leão vê oportunidades na área florestal, com os cavacos de madeira, com cereais, que estão sendo avaliados para a produção de etanol no Estado, e biogás (que pode ser oriundo de dejetos de cadeias como a suína e a bovina). Porém, ele ressalta que é preciso encontrar um equilíbrio econômico nessas iniciativas.
Outro fator que pode ajudar na expansão das bioenergias é a prática da cogeração, o emprego de um único combustível para chegar a duas formas de energias (a térmica e a elétrica). “Se (uma empresa) já tem uma caldeira para produzir vapor para algum processo, às vezes com um investimento mínimo, para obter uma pressão um pouco maior, é possível produzir energia. Tem que aproveitar todos os potenciais que existem”, defende Leão.

Biocombustíveis apresentam-se como outra oportunidade para os gaúchos

Não é somente na geração de energia elétrica que o Rio Grande do Sul pretende ter uma produção mais perto do seu consumo. Na área de biocombustíveis, o Estado, que já tem uma ampla maturidade e relevância quanto à fabricação de biodiesel, procura agora também desenvolver projetos na área de etanol, campo em que ainda é muito pequena a sua atuação.
O presidente da BSBIOS, Erasmo Carlos Battistella, informa que, em relação ao biodiesel, o Rio Grande do Sul é líder nacional e produz mais do que a demanda local. No caso do etanol, no entanto, o Estado importa 99% da demanda pelo produto. “Mas, acredito que temos condição de sermos autossuficientes no médio prazo. A fábrica que acabamos de anunciar vai suprir, a partir de 2027, 23% dessa necessidade”, diz o empresário.

A BSBIOS está investindo na primeira usina de etanol de grande escala do Rio Grande do Sul. Localizada em Passo Fundo, a nova unidade processará, quando totalmente instalada, 1,5 mil toneladas de cereais por dia (milho, trigo, triticale, arroz, sorgo, dentre outros) para produzir anualmente 220 milhões de litros de etanol (anidro, que é adicionado na gasolina, ou hidratado, que é consumido diretamente) e 155 milhões de toneladas de farelo para a cadeia de proteína animal. O início das operações está estimado para o segundo semestre de 2024.

Previsto para operar em duas fases, com processamento de 750 toneladas/dia de cereais em 2024 e de 1,5 mil toneladas/dia, em 2027, o projeto totaliza um investimento de R$ 556 milhões no período. O empreendimento deve representar R$ 1,3 bilhão em faturamento anual e vai gerar 143 novos empregos diretos e aproximadamente 1 mil indiretos. A unidade contará com autoprodução de energia elétrica com cogeração à biomassa. Não haverá lançamento de efluentes líquidos, que serão utilizados para geração de vapor no processo de produção.

Apesar do futuro promissor, por enquanto, na área de etanol é como se o Rio Grande do Sul ainda estivesse engatinhando. Já no campo de biodiesel ele corre há muito tempo a passos largos. Battistella informa que, em 2021, o Estado fabricou 1,85 bilhão de litros de biodiesel, cerca de 25% do total fabricado no País. São nove unidades gaúchas autorizadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) para operar com o biocombustível que, juntas, têm capacidade para 2,94 bilhões de litros ao ano (dados de 2021 - ANP).

Particularmente quanto à performance da BSBIOS, Battistella revela que, com uma produção de biodiesel de cerca de 895,4 milhões de litros no ano passado (18,5% superior a 2020), a empresa atingiu um market share no Brasil de 13,2%, se mantendo na posição de maior produtora do País pelo quarto ano consecutivo. Em 2021, a planta de Passo Fundo teve uma capacidade autorizada de 459 milhões de litros anuais. Essa unidade e a de Marialva (PR) receberam incremento de 13% em suas capacidades, chegando a 936 milhões de litros de biodiesel/ano para 2022.

“Nosso plano é continuar crescendo aqui no Estado, mas em função da estagnação da mistura (hoje está estabelecido em 10% o percentual de biodiesel no diesel, o chamado B10), nós não estamos vendo motivo para crescer a produção de biodiesel”, revela o presidente da BSBIOS. Ele acrescenta que um dos objetivos da companhia é a exportação do biocombustível e outro é focar no investimento da nova fábrica de etanol.

Battistella detalha que hoje já são 57 usinas autorizadas no Brasil, produtoras de biodiesel em 15 estados, que já investiram mais de R$ 10 bilhões. Estão ainda em andamento os investimentos em 11 novas plantas e na ampliação de outras sete. O setor já tem capacidade instalada de mais de 13 bilhões de litros anuais, mas, com o B10, a demanda deverá ser de 6,2 bilhões de litros, o que significa uma ociosidade de 53%. “Se nós não tivermos um aumento na mistura, podemos ter o fechamento de algumas fábricas no Rio Grande do Sul”, alerta o empresário.

Ele enfatiza que os biocombustíveis são importantes porque permitem agregar valor às matérias-primas produzidas pela agricultura familiar e empresarial do Rio Grande do Sul. “E são energia limpa. Crescer significa reduzir os gases de efeito estufa para cumprir as metas de descarbonização”, finaliza.

Texto: Sindienergia-RS