Sinal locacional busca corrigir distorções no custo da energia
A essência do Sistema Interligado Nacional (SIN), que prevê a troca de energia entre as regiões brasileiras, possibilita ao setor elétrico uma maior segurança quanto ao abastecimento. No entanto, quando a energia produzida precisa ser deslocada por grandes distâncias para atender à demanda apresentada, isso implica gastos com linhas de transmissão e também perdas técnicas nesse procedimento. Abranger e equacionar essa questão dentro do processo tarifário é o objetivo do sinal locacional.
Em setembro, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) autorizou a nova metodologia de cálculo das Tarifas de Uso do Sistema de Transmissão (TUST) e das Tarifas de Uso do Sistema de Distribuição para centrais de geração conectadas em 88 kV e 138 kV (TUSD-g). Ao longo de cinco ciclos tarifários, a partir de 2023 e até 2028, a ideia do órgão regulador do setor elétrico era promover a gradual intensificação do sinal locacional – ou seja, um realinhamento dos custos de transmissão de modo a equilibrar a cobrança pelo uso do Sistema Interligado Nacional, fazendo com que os agentes que mais oneram paguem proporcionalmente pelo serviço.
Assim o objetivo da Aneel era incorporar um percentual maior de sinal locacional em um período de transição de cinco anos. A decisão tinha como intenção reparar uma distorção verificada nos últimos anos, após a entrada em operação da hidrelétrica de Belo Monte e de outras geradoras no Norte e Nordeste do País. Essas regiões eram “importadoras” de energia elétrica há duas décadas, quando a Aneel definiu a metodologia anterior de cálculo da TUST e da TUSD-g, mas, posteriormente, se tornaram “exportadoras”. Já os seus consumidores, anteriormente afastados dos centros de carga, hoje estão próximos e oneram menos o sistema do que era considerado no cálculo.
O tema do sinal locacional foi incorporado na lei de criação da Aneel, de 1996, mas acabou sendo distorcido. Já a nova metodologia sobre o mecanismo estava prevista para começar a ser aplicada no ciclo tarifário 2023/2024. Apesar da decisão da agência, o projeto de decreto legislativo (PDL) 365, de autoria do deputado federal Danilo Forte (União-CE), foi aprovado em novembro na Câmara com a intenção de suspender os efeitos da resolução do órgão regulador quanto ao sinal locacional. Para o presidente do Sindienergia-RS, Guilherme Sari, a questão deveria ser tratada como um tema extremamente técnico. Ele argumenta que o Brasil, quando definiu estabelecer um sistema elétrico interligado nacional, a meta era atender a toda população, a todo consumidor, fazendo a conexão, de pontos de geração e de demanda, entre diversos estados. “O sinal locacional nunca foi empregado dentro desse processo, a gente fez um sistema interligado nacional, no qual se pode gerar no Sul e consumir no Nordeste, gerar no Norte e consumir no Sudeste, tudo isso pode ser feito, mas nunca se pensou no custo de viabilização desse processo”, comenta o dirigente.
Dentro desse contexto, Sari lembra que quando começou a ocorrer a propagação mais fortemente das fontes renováveis (eólica, solar e biomassa) no País, nos últimos 15 anos, ocasionando uma mudança na matriz elétrica nacional, o panorama foi se alterando. “A geração começou a mudar de localização”, destaca. O dirigente ressalta que a região Nordeste desenvolveu-se intensamente como um polo de energias renováveis. No entanto, ele defende que o importante é que a conta de luz chegue ao consumidor o mais barata possível. “E o sinal locacional é exatamente isso, conseguir ter uma diminuição tarifária dos valores, consequentemente chegando ao cliente final, por não precisar de um investimento bilionário em linhas de transmissão, o que acontece hoje”, explica o presidente do Sindienergia-RS.
Sari reitera que a adoção da medida é o ideal para os consumidores do País e não significará a interrupção de novos projetos de usinas no Nordeste. Ele frisa que aquela região tem um enorme potencial de ventos e radiação do sol. “Isso não vai ser afetado, o que vai acontecer é um balanceamento da transmissão”, afirma.
De acordo com o presidente do Sindienergia-RS a proposta é criar uma uniformidade tarifária na questão da transmissão. Ele salienta que, quanto mais perto a usina ficar do centro de carga elétrica, menos investimentos serão necessários em linhas de transmissão. Trata-se de uma equalização do modelo atual, porque hoje os leilões promovidos pelo governo federal para alimentar ao Sistema Interligado Nacional levam em consideração o menor preço da geração de energia, mas não o gasto no sistema de transmissão. “E quem paga essa conta é o consumidor”, adverte Sari.
O dirigente sustenta que, pensando como nação, não se pode beneficiar uma região em detrimento de outra. Para ele, o PDL 365 foi uma intromissão política em um assunto que deveria ser conduzido focando no conhecimento técnico. A iniciativa onera todas as contas de luz dos brasileiros, inclusive dos consumidores nordestinos. “É preciso agir com a razão e não com a emoção”, diz Sari.
Receio é que assunto vire discussão política e não técnica
Com a aprovação na Câmara do PDL 365, o tema foi encaminhado para o Senado, o que aumenta o risco de uma ingerência do Legislativo em uma decisão técnica tomada pela Aneel, argumenta o diretor técnico do Sindienergia-RS, Pedro Mallmann. “Isso é muito prejudicial”, considera. Ele frisa que a questão do desenvolvimento regional não é um tópico que deva aparecer na tarifa de transmissão de energia. “Não é objeto do Ministério de Minas e Energia ou da Aneel, é do Ministério de Economia”, aponta Mallmann.
O dirigente salienta que a tarifa serve como um indicativo econômico e, sem o sinal locacional, essa referência acaba ficando equivocada. Segundo o diretor técnico do Sindienergia-RS, a tarifa de energia deveria indicar onde a instalação de um novo gerador poderia ser mais benéfica. “No momento, isso não acontece, ocorre o oposto”, lamenta. Mallmann argumenta que a tarifa de transmissão, como está hoje, faz com que o problema se agrave. Ele comenta que, atualmente, no Brasil há um excedente de geração renovável (eólica) no Nordeste, algo que chega a criar o estrangulamento das linhas de transmissão, devido a um intenso consumo no Sul e Sudeste. O dirigente recorda que os gaúchos, por exemplo, são “importadores” de energia de outras regiões do País.
Conforme o integrante do Sindienergia-RS, o sinal locacional reduz o custo Brasil ao ter um setor elétrico mais eficiente com um gasto em transmissão menor e com menos perdas elétricas. Mallmann também sustenta que o assunto precisa ser debatido em bases técnicas e não políticas. “Hoje, o que acontece é um subsídio cruzado no qual os geradores do Sul e Sudeste subsidiam os geradores do Nordeste e os consumidores do Nordeste subsidiam consumidores do Sul e Sudeste e isso está completamente equivocado”, alerta. Ele destaca que o sinal locacional possibilitaria deixar claro os custos reais envolvidos no setor elétrico e avaliar os projetos de novas usinas de forma mais transparente.
O dirigente enfatiza que isso não significa que o Nordeste não terá mais empreendimentos de geração, pois os recursos daquela região são excelentes. “Vai seguir tendo, mas no seu preço correto”, antecipa. Além disso, ele recorda que a intenção da Aneel é fazer uma transição gradual das regras aplicadas. “A nossa defesa é a competitividade do País no setor elétrico e não nos parece correto que um projeto solar no Maranhão, por exemplo, pague o mesmo custo de transmissão que um empreendimento solar no estado de São Paulo (que está mais perto do centro de carga elétrica)”, compara.
Sobre o sinal locacional, uma das maiores empresas dentro do segmento elétrico nacional, a Engie Brasil Energia, em nota, ressalta que a Aneel havia aprimorado as regras de cálculo das tarifas de uso dos sistemas de transmissão e “o fez de forma serena, sempre se pautando pelo diálogo com todo o setor e buscando consensos, trazendo, ao final do processo, uma solução respeitosa e, principalmente, adequada à lei que já existe hoje”. Ainda de acordo com a companhia, “é difícil entender a celeuma que esse tema tem provocado: muitos têm utilizado o argumento de que a nova regra inviabilizará usinas eólicas ou solares no Nordeste – não vemos esse risco, essas fontes continuarão sendo as mais competitivas do País mesmo com a nova regra, as mantendo em lugar de destaque na expansão do sistema e para um mundo com menor emissão de carbono, que tanto almejamos”.
Texto: Sindienergia-RS